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Danilo Reis: “Cemitério Velho”, o campo santo dos esquecidos

Danilo Reis: “Cemitério Velho”, o campo santo dos esquecidos

Um elo quase perdido.

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Escrito por Danilo José Reis

Professor, historiador e pesquisador.

 

      

Túmulo do padre Cícero Santos. (Foto: Danilo Reis, 2016)

 

  Quem passa pela Rua Areolino de Abreu, no bairro São João, certamente se depara com um pequeno, acanhado, e abandonado cemitério... Pouca gente tem consciência do tamanho da sua importância para o resguardo da nossa memória. Trata-se do Cemitério São Francisco, o tradicional “Cemitério Velho”, assim denominado por se acreditar que seja o primeiro “campo santo” da nossa cidade. Pois bem. Apesar de toda sua relevância, não recebe a devida atenção por parte das autoridades públicas e pela própria comunidade unionense. O adjetivo velho, utilizado para designar sua antiguidade, hoje vale muito mais para denunciar as marcas de desgaste e deterioração.

         Pelas evidências, tudo indica que ele é do final do século XIX, surgido a partir da necessidade de se construir um novo campo santo na cidade, devido ao esgotamento do cemitério mais antigo - o hoje Cemitério N. Sr. de Fátima.  O nome “São Francisco”, é algo mais recente, recebido ao longo da sua existência. Nele jazem figuras importantes da nossa política e sociedade. Figuras como Benedito Rego e o seu filho homônimo (coronel Dito Rego), Agnelo Sampaio, Mariano Fortes Castelo Branco, Fernando Lobão Júnior, padre Cicero Santos, aparentados do padre Simpliciano, e filhos do Barão de Gurguéia, repousam lá. Todos membros de famílias importantes do contexto político-social- econômico unionense do final do século XIX e início do XX. O túmulo da tida “santa de União” (Isabel dos Milagres) também estaria lá, porem, sem mais poder ser identificado. Entretanto, mesmo com essa importância memorial ele se encontra em condições precárias, não sendo o único nessas condições. Além dele temos os “cemitérios” do São Felipe (Três Alminhas); dos Cativos (dos escravos), dos Noivos (apesar de não tratar-se de um cemitério “de cal e pedra”, é chamado assim pela sua representatividade histórico-cultural), e o próprio cemitério tradicional, todos munidos da mesma relevância histórica e com as condições de zelo parecidas.           Esses sepulcrarios, assim como outros, são verdadeiros museus a céu aberto, pois acomodam elementos importantes da história social e muitas vezes artísticas.  Eles têm um papel fundamental que vai além de ser apenas um depósito funerário.  Entre outras finalidades, servem como fonte histórica para a preservação da memória familiar e coletiva, para estudos de genealogia, como expressão de gostos artísticos, e para a preservação do patrimônio histórico. As lápides são verdadeiras fontes primárias, pois muitas delas trazem informações valiosas sobre a história e a trajetória de vida de muitos personagens. Em muitos locais, eles chegam a integrar roteiros históricos de visitação turística.

(Túmulo de Agnelo Sampaio. Foto: Danilo Reis, 2016)

 

              Por infelicidade, o nosso “Cemitério velho” já não dispõe dessas mesmas condições. Embora faça  parte do nosso patrimônio histórico material, ele se encontra em total estado de esquecimento, de abandono, e de ruína. Cabe lembrarmos que essas condições já vem se arrastando há bastante tempo, um problema crônico que não atinge somente nossos cemitérios, mas todos os nossos bens histórico-culturais. Porem, o declínio do Cemitério vem desde a sua desativação, onde foi aos poucos sendo esquecido, ate perder totalmente o interesse por parte dos agentes públicos e da população. Sua última grande reforma remonta ainda aos anos 1940, quando ainda se fazia enterramentos. Com o passar do tempo o estado de abandono deu novos usos ao mesmo. Infelizmente o local passou a ser usado por usuários de drogas, utilizado para a desova de objetos de roubos e furtos, e ate para depósito de lixo, despejado por alguns moradores das adjacências. Animais como porcos e outros quadrupedes tem passagem livre ao recinto, que costumeiramente, deixar seus dejetos. Em períodos chuvosos o matagal cresce muito rápido e na mesma velocidade toma conta do espaço, dificultando a passagem daqueles que se aventuram em visitá-lo. Diga-se de passagem, visitas que são bem raras. O local ainda é procurado por aqueles que buscam fazer pesquisas (nosso caso) ou por outros que se compadecem com o abandono das “almas” esquecidas. Cabe aqui uma pequena ressalva. O abandono começa pelos próprios familiares dos sepultados, que deixaram de visitar seus entes, abandonando-os literalmente. Isso foi um dos principais responsáveis pela deterioração dos jazigos, que sem cuidados tenderam a ruir.

        A falta de vigilância é uma outra agrura.  O vandalismo é um dos responsáveis pelo estado decrépito do Cemitério, e pela destruição dos mausoléus. Das poucas lápides que ainda subsistem, algumas já “desmoronaram”. A estatuaria que havia outrora, desapareceu. A pequena capela, construída posteriormente sob o orago de São Francisco, também se encontra em estado de ruína. A própria imagem do padroeiro já não existe mais. São perdas inestimáveis para a nossa memória. Infelizmente esse é um problema que depende de vários fatores para ser superado.

Túmulo de sobrinhos-neto do padre Simpliciano. (Foto: Danilo Reis, 2016)

 

         Um dos grandes percalços é não colocarmos em prática, os mecanismos legais que garantam a sua proteção e conservação. O “tombamento”, previsto em lei, poderia ser uma salvaguarda, no entanto, aqui, a “lei do tombo” funciona de maneira antagônica. Ele se emprega literalmente na aniquilação, demolição, queda, e destruição do sítio histórico. Isso, também é resultado da falta de políticas públicas que fomentem a difusão da consciência patrimonial na nossa comunidade. Sem eles fica muito difícil conseguir que a nossa população conheça, e se envolva efetivamente, na preservação dos nossos bens históricos.

         O Cemitério Velho é apenas um exemplo do que acontece com o nosso patrimônio histórico. Seguramente, ele vivi seus últimos dias. Se não houver nenhuma intervenção a curto prazo que possa resgatá-lo do estado em que se encontra, “logo logo” o perderemos de vez. Será mais um elo perdido com o nosso passado. O Velho Chico pede socorro!

 

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