Português (Brasil)

Vanessa Diniz: As cartas aos políticos de Lagoa Alegre

Vanessa Diniz: As cartas aos políticos de Lagoa Alegre

As cartas foram por séculos o maior mecanismo de comunicação do mundo, e os cidadãos lagoalegrenses a utilizaram como um veiculo de pedido pessoal, endereçada exclusivamente aos prefeitos da cidade.

Compartilhe este conteúdo:

Esta coluna é publicada todas as quintas-feiras.

 

O surgimento dos meios de comunicação advém da necessidade do homem em se expressar. Os primeiros sinais aparecem com a arte rupestre, tempos depois, a fala e, séculos mais tarde, a escrita. Esta última, traz consigo inúmeras significações e revoluciona as fronteiras do conhecimento humano, possibilitando a comunicabilidade através de pergaminhos, símbolos, cartas, livros e variados registros.  Utilizada por meio da escrita, a carta é uma das ferramentas de interlocução mais antigas do mundo, tão remota, que não se tem datação exata quanto a sua origem. No entanto, sabe-se que foi um mecanismo de ênfase global, pois era uma das maneiras mais rápidas de enviar mensagens a longa distância.

No Brasil a carta chegou com os portugueses, quando Pero Vaz de Caminha, por sua vez, escreveu ao rei comunicando o ‘’descobrimento’’ das novas terras, tornando-se um dos correspondentes mais famosos da história do país.  

É fato que as cartas possuem variados tipos de escrita, mas, em suma, comporta três formas básicas; a correspondência oficial, comercial e pessoal. As cartas em seu processo de escrita vão sendo formuladas de acordo com as vontades do remetente ao seu destinatário, e o seu conteúdo pode estar em volta de inúmeros temas como amor, amizade, família, ofícios, ou até mesmo pedidos pessoais. E é neste ultimo caso que pretendo abordar, buscando analisar os pedidos feitos em bilhetes ou cartas enviados aos prefeitos de Lagoa Alegre. Cartas essas, que não possuem uma caracterização oficial, pois seus conteúdos estavam ligados a um desejo individual do remetente.

O cenário político lagoalegrense, em todo seu percurso, se mostrou bastante acalorado. Com a emancipação da cidade, os cidadãos puderam se sentir mais próximos do seu representante e, de certa forma, conseguir que seus anseios e desejos pessoais fossem ouvidos. Valendo-se disso, uma das opções mais ‘’eficazes’’ encontradas pelos habitantes de fazer sua mensagem chegar ou seu destinatário foi o famoso bilhetinho ou quando o pedido possuía mais detalhes, era enviado em forma de carta.

O conteúdo das solicitações eram diversos, partia desde um apelo por ambulância até dinheiro para realização de casamentos. Isso mesmo! Em uma das correspondências a remetente argumenta que não tem condições de realizar seu casório e pede a um vereador uma quantia simbólica de $100 reais, nessa carta em especifico, a cidadã dispõe em troca do ‘’favor’’ seu voto e de toda sua família. Podemos observar na leitura do documento, que não era apenas um pedido de ajuda, mas sim uma conversão de valores. A realização do pedido estava ligada diretamente ao ganho de votos.

(Foto: Lagoa Alegre Memórias)

Em outras imagens, há pedidos de mantimentos e remédios, peças para motos e bicicletas e dinheiro para quitação de dívidas. Uma das correspondências, faz referência ao envio de uma quantia não exposta, pois aparentemente, haviam conversado pessoalmente e acertado os detalhes, e a carta estava servindo como lembrete do acordo.

(Foto: Lagoa Alegre Memórias)

É visível, que em quase todas os envios, existe um terceiro elemento que liga o remetente ao destinatário, o intermediário. Mas esses ‘’carteiros’’ não eram qualquer indivíduo. Observa-se que há uma relação de confiança depositada em quem leva informação, geralmente é alguém conhecido da família, ou até um parente. Esse portador, por vezes também desempenha a função de receber os pedidos feitos e destina-lo ao recebedor. 

(Foto: Lagoa Alegre Memórias)

O historiador Sérgio Buarque de Holanda em seu livro Raízes do Brasil, faz uma analise detalhada do ‘’jeitinho’’ brasileiro, que no ponto de vista cultural trata-se de uma malandragem, desonestidade e amoralidade que muitos encontram para driblar as mazelas sociais para sobreviver. Mas há casos que o arranjo e os favores, ultrapassa as necessidades que são ligadas a pobreza e, se enquadra em uma organização elitizada, que busca benefícios em grande escala, infringindo diretamente nas ações do estado e na proliferação de mais desigualdade. Podemos igualar essa conduta a um ciclo vicioso, onde todos o praticam diariamente, em prol de um desejo individual.

Nas correspondências é notável um outro ponto crucial dessa análise, a escrita. A forma em que se dispõe as palavras, seus sentidos e interações mostram o grau de escolaridade, a classe social do escritor.

(Foto: Lagoa Alegre Memórias)

Na carta acima, o remetente lança uma proposta ao ex-prefeito Neudenor Vaz da Costa, que compre sua casa localizada em Teresina no bairro Promorar, pois necessita urgentemente de dinheiro para as despesas hospitalares de seu pai. Em um trecho, pede “desculpas pelos erros a escrita a mão” demostrando que estava se comunicando um representante político, mas não possuía a instrução escolar suficiente para escrever de maneira formal.

O estudo de cartas como fontes históricas, torna-se cada vez mais eficiente aos pesquisadores, pois traz consigo um conjunto de elementos tanto pessoal, detalhando as concepções e desejos do escritor, como uma analise geral, mostrando a comunicação de uma época, o comportamento e as malesas sociais de uma determinada região como Lagoa Alegre.

Atualmente, é raro o uso dessa ferramenta de comunicação, pois as cartas foram perdendo espaço para o rádio, depois, televisores e, por fim, pelos dispositivos moveis como computadores e celulares. No entanto, vez ou outra, alguém relembra o modesto e simples bilhetinho.

 

*Vanessa Diniz é estudante de história pela Universidade Estadual do Piauí e editora da página Lagoa Alegre Memórias no Facebook.

Compartilhe este conteúdo: