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Danilo Reis: O incidente das baionetas

Danilo Reis: O incidente das baionetas

A história da belicosa eleição municipal de 1860

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*ESCRITO POR DANILO JOSÉ REIS 

Esta coluna é publicada todas as segundas-feiras.

(Foto: Aquivo Piquete Explorador)

 

Não é de agora que as eleições municipais em União mexem com os ânimos da população. Desde o século XIX, quando se de início ao processo eleitoral local através da instalação da Câmara Municipal, que os partidos políticos organizados se digladiam pelo comando do município. Essas eleições sempre foram marcadas por acirramentos exacerbados, fraudes, sabotagens e tentativas de boicotes movidos a interesses pessoais ou coletivos. Foi exatamente assim há 160 anos, nas eleições municipais para a escolha dos vereadores e juízes de paz.

No dia 07 de setembro de 1860 ocorreram às eleições municipais para o quatriênio 1861-63. Vivia-se o período do Império onde vigorava duas fortíssimas agremiações políticas: o Partido Liberal e o Conservador. As eleições ocorriam de maneira bem diferente das atuais. O voto era censitário e não havia o tradicional título de eleitor. Elas também ocorriam no interior das igrejas matrizes, prática que perdurou até a chegada da República. Os sufrágios eram antecedidos pelo período de alistamento eleitoral, ou seja, estágio de seleção dos votantes, isso tudo sob a responsabilidade do Juiz de Paz. Após esse processo, o livro de qualificação dos votantes deveria ser enviado aos arquivos da Câmara Municipal pelo Juiz de Paz.

Contudo não foi assim na referida eleição. O então juiz de paz de União coronel Fernando Lobão (conservador), não enviou o referido livro para a Câmara Municipal, o que gerou um grande descontentamento por parte dela. Alguns vereadores, entre eles o presidente João do Rego Monteiro – a maior liderança conservadora, acreditava que se tratava de um estratégia do juiz de paz em conluio com o vereador liberal Francisco B. Ferreira, para burlar as eleições. Para eles, o gesto seria um instrumento fraudulento para “embaraçar o processo eleitoral”. Diante dos fatos cinco vereadores, encabeçados pelo presidente da Câmara relataram suas desconfianças ao presidente da Província.

(Foto: Reprodução/Facebook/PEE)

 

No dia da eleição, como dito realizada no Dia da Pátria, o Juiz de Paz chegou à igreja matriz para dar início ao processo eleitoral. Antes da conclusão dos atos religiosos – “te-deum” (ritual comum antes do início das votações) – a igreja matriz foi cercada pelo destacamento policial da vila, capitaneada pelo delegado Antônio José Henriques, cunhado e genro do presidente da Câmara. Armados de garnadeiras e baionetas, os soldados impediram a entrada dos votantes e a instalação da mesa paroquial. Não sendo possível a realização da eleição, o Juiz de Paz adiou para o dia seguinte. Contudo, os eventos se repetiram. Na tentativa de novamente instalar a Assembleia Paroquial e dar prosseguimento ao processo eleitoral, a igreja foi mais uma vez sitiada pelo destacamento policial, dessa vez armada de “baionetas caladas, cartuxos corridos e armas”. Ao chegar à igreja, Fernando Lobão ouviu de boa parte dos presentes o coro de “Fora Juiz de Paz!”, e mais uma vez impedido de entrar na igreja. Teria sido um “golpe”?!?! ...Em meio à turbulenta situação, alguns resistentes, querendo dar continuidade ao processo, recolheram-se na sacristia da igreja onde foi “executada a eleição”. No entanto ela ficou em litígio. O resultado não foi reconhecido pela autoridade provincial que realizou uma outra, agora sob a responsabilidade do 3º Juiz de Paz João José do Rego, esta validada.

Acreditava-se que por trás desses acontecimentos estivesse o presidente da Câmara, que teria utilizado um parente próximo como instrumento de seus interesses. Mas o que teria levado a uma escaramuça entre dois correligionários??! Um “golpe mútuo”?! Em paralelo havia uma disputa entre Fernando Lobão  (também tesoureiro da Matriz) e João do Rego Monteiro Filho (antigo procurador de capelas) pela posse e administração dos bens destinados a construção da Igreja Matriz. Isso teria causado a exaltação dos ânimos. Desentendimentos e disputas internas foram comuns dentro do Partido Conservador unionense. Esse episódio, o mais belicoso de todos, ficou conhecido como “incidente das baionetas”, e por muito pouco não transformou em sanguinolenta uma corriqueira eleição municipal.

Esse desentendimento revela a intensa disputa que sempre houve aqui pela hegemonia política do município. Não é de agora, como visto, que os diferentes grupos políticos lutam por seus interesses, seja individual ou coletivo. Esse episódio é só mais um dentre os muitos que estampam as paginas da tensa história da política unionense.

Fonte: Saquaremas e urubus: as disputas politico-partidarias entre conservadores e liberais na Vila de União durante o Segundo Reinado  (1840-1889) – Artigo Científico  (TCC) Danilo José dos Reis Batista.

*DANILO JOSÉ REIS é historiador e membro do grupo de pesquisa Piquete Explorador do Estanhado.

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