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Danilo Reis: O popular e incógnito Padre Cícero de União

Danilo Reis: O popular e incógnito Padre Cícero de União

A passagem por União de um dos xarás do lendário Padim Ciço do Juazeiro

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*ESCRITO POR DANILO JOSÉ REIS 

Esta coluna é publicada todas as segundas-feiras.

Releitura do Padre Cícero Santos  

(Foto: Arquivo do Piquete)

 

Quando falamos em Padre Cícero instantaneamente nos vem a cabeça a figura do Pe. Cícero Romão Batista, o padim Ciço do Juazeiro do Norte (Ceará), personagem de altíssima relevância histórica para a região Nordeste. O “santo do Cariri”, querido e venerado por uma legião de sertanejos, teve sua vida dividida entre a religião e a política. Além do carisma, da assistência aos mais pobres, e de sua irredutível fidelidade a Igreja Católica, também se viu envolvido em algumas searas polêmicas.

Pois bem. Em União, tivemos dois deles, sendo que um, além do nome, possuía outras semelhanças com o “bem aventurado” do Juazeiro. Foi mais ou menos assim com o nono pároco da Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios, padre Cícero Santos, o segundo xará do padim a passar por União (o primeiro foi o padre Cícero Portela Nunes).

Padre Cícero Pereira dos Santos nasceu no dia 27 de março de 1894, na Fazenda Jenipapeiro (hoje município de Francisco Santos - PI), região de Picos, no sul do Estado do Piauí. Era membro de uma família abastada sertaneja, de grande tradição política na região. Era filho do coronel Simplício Pereira dos Santos e Antônia Maria da Encarnação, e irmão do coronel Francisco Santos, o “Chico” Santos, prefeito do município de Picos por várias administrações. Ao contrario do irmão político, Cícero seguiu a carreira  religiosa. Ordenou-se padre em 07 de janeiro de 1919 no Seminário da Prainha, em Fortaleza (Ceará). Em sua trajetória, teve passagens pelo secretariado do Bispado e pelas paroquias de Pio IX, Valença e União.

Ata da morte do Padre Cícero Santos (Foto: Arquivo Danilo Reis)

 

A Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios, em União, foi sua derradeira. Tomou posse oficialmente no dia 03 de agosto de 1930, recebendo simbolicamente das mãos do antecessor padre Acelino Portela, as “chaves da matriz”, em ato testemunhado pelo então prefeito Segisnando Alencar, e Fausto Costa (membro do Conselho Consultivo Municipal). Em União ele se demorou por seis anos. Durante essa passagem ganhou muita popularidade. A boa administração paroquial, o carisma, o zelo, e a atenção com os paroquianos, contribuíram para sua boa reputação. Ademais, deu bastante atenção aos festejos de São Raimundo Nonato (festejos de agosto); as irmandades religiosas; e as comunidades rurícolas. Tudo isso o fez ser “comparado” – nas devidas proporções - ao padim do Juazeiro. Além disso, outras semelhanças o aproximaram do homônimo cearense.

Apesar de não ter se envolvido na política, como fizera o “xará famoso”, padre Cícero Santos esteve envolvido em outras “questões polêmicas”. De todas as lembranças em União, a que mais o rememora é um suposto envolvimento no sumiço do corpo de Isabel Sampaio, a jovem tida como “santa” pelos católicos unionenses. A questão, gerou muita polêmica na época, colocando o nome do padre no epicentro de uma seara assaz delicada.

 Em 1932, na zona rural do município de União, uma jovem de nome Isabel, casada com João Sampaio, foi brutalmente assassinada pelo marido. Ela foi morta impiedosamente com 18 facadas, após denunciá-lo por maus tratos ao “delegado” de polícia. O brutal feminicídio gerou muita comoção e bastante repercussão na época. Devido as circunstâncias bestiais do crime, rapidamente surgiram boatos sobre alguns “sinais miraculosos” da vítima, tida, desde já, como “mártir”. Isso não demorou para se dar início a um culto em torno dela. De acordo com a tradição oral, esse “paganismo” ascendente, teria chamado atenção da igreja católica, que incomodada, teria tomado providências para detê-lo. É aí que vem o suposto envolvimento do padre Cícero. Houve boatos de que ele teria homiziado os restos mortais da jovem, a fim de evitar qualquer tipo de peregrinação em torno dela. Ainda de acordo com antigos relatos, ele teria se ausentado inexplicavelmente da paróquia durante duas semanas. Chegou a se ventilar que ele teria enviado o corpo para Roma, Itália. Mas claro, nada nunca foi comprovado. Mas o fato é que realmente o corpo desapareceu. Não se sabe se por meio dele, ou por outras circunstâncias. A questão foi bastante polemizada na época.

Túmulo do Padre Cícero Santos, no cemitério velho

(Foto: Arquivo do Piquete)

 

Independentemente das desconfianças e rumores, ele continuou bastante prestigiado. Alguns anos se passaram e as suspeições foram sendo dissolvidas. Entretanto não tardou para dar-se uma nova fatalidade e os “mistérios” ressurgirem. Em 22 de julho de 1936, ao fazer confissões na localidade Centro do Sítio (atual COMVAP), Cícero veio a falecer, vítima de um fulminante ataque cardíaco. Seu falecimento pegou todos de surpresa, pois se tratava de um padre jovem (44 anos) e aparentemente sadio. Para os mais supersticiosos, a morte teria sido um “castigo divino” enviado por “Santa Isabel”, em vingança ao suposto rapto orquestrado por ele (nunca se comprovou tal versão).

Contudo, em meio a todos esses “mistério”, o picoense continuou bastante prestigiado. A pedido da comunidade unionense, ele foi velado e sepultado na cidade. O velório de corpo-presente, realizado na igreja Matriz, atraiu uma legião de pessoas. “Foi um tumulto! Eu criança não consegui nem chegar perto do corpo. Foi o maior velório que já ocorreu na igreja ...”, destacou uma testemunha ocular do fato. Após o velório o corpo foi enterrado no cemitério São Francisco (cemitério “velho”), o mesmo na qual foi sepultada a jovem “Santa Isabel”.

Padre Cicero Santos pode não ter sido tão afamado quanto o homônimo mais conhecido, mas, nas devidas proporções, teve sua importância e notoriedade dentre aqueles que governaram a Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios. Apesar de não ter tido uma estada tão longeva em União, sua passagem será sempre lembrada...ou pelas deferências, ou pelas polêmicas de 1932. Será “mal de Padre Cícero”??!!... Para aqueles que se interessarem em visitá-lo, ele “repousa” no “velho” cemitério do bairro São João.

*DANILO JOSÉ REIS é historiador e membro do grupo de pesquisa Piquete Explorador do Estanhado. 

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