Português (Brasil)

Danilo Reis: Festejos de agosto – 96 anos de tradição

Danilo Reis: Festejos de agosto – 96 anos de tradição

A fé e devoção ao santo mais popular em União

Compartilhe este conteúdo:

*ESCRITO POR DANILO JOSÉ REIS 

Esta coluna é publicada todas as segundas-feiras.

(Foto: Arquivo/Danilo Reis)

        Na última sexta-feira (21 de agosto) se deu início a nonagésima-sexta edição do tradicional festejo de São Raimundo Nonato, o festejo de agosto, evento realizado de 21 a 31 do referido mês, pela Paróquia de União. Desde a sua criação ele foi tomando corpo, chegando a se tornar o maior evento do município. É de fato o momento mais aguardado e de maior movimentação na cidade. Durante esse período a urbe é “invadida” por uma legião de romeiros e visitantes que vêm em busca de graças e de consolo espiritual. Devido a sua magnitude muitos chegam a confundir o “homenageado” com o padroeiro do município, que na verdade é Nossa Senhora dos Remédios. Infelizmente, por conta da pandemia do novo  corona vírus, a edição desse ano será diferente das anteriores.

         No entanto, essa devoção dos unionenses a São Raimundo Nonato é muito antiga. É uma crença que certamente vem do final do século XIX, quando já se tem registro de uma imagem do santo no acervo da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios. Apesar de não se registrar festejos ou celebrações em seu louvor nesse período, a fé em sua figura já existia de fato. Esse culto, que se expandiu com o passar dos anos, logo se transformaria no grande evento que existe hoje.

Convite da edição de 1974

(Arquivo: Marcos Alves Vieira)

         O tradicional festejo teve origem ainda no primeiro quartel do século passado. De acordo com a tradição oral, sua primeira edição teria ocorrido em 1924 por ocasião de uma promessa alcançada pelo casal Raimundo Fortes C. Branco e Maria Amélia Ferreira C. Branco, católica fervorosa. Segundo a versão (ou pelo menos uma delas), dona Maria Amélia teria feito uma promessa a São Raimundo Nonato pela saúde do marido que se encontrava enfermo. Caso alcançasse a graça, o cônjuge Raimundinho, deveria trazer uma imagem do santo para a Matriz e realizar um novenário em sua  devoção. O suplício teria sido atendido e a “promessa paga”. Assim, no referido ano foi organizado o primeiro novenário ao santo, com uma imagem trazida, acredita-se, de Portugal. O pároco de então, padre Cícero Portela Nunes, certamente coadjuvou na organização, juntamente com as irmandades católicas da época (Vicentinos, São Francisco, Filhas de Maria, Coração de Maria e Coração de Jesus).

      A festa foi crescendo e ganhando magnitude. Não demorou muito para se   popularizar e ofuscar ate mesmo a festa da padroeira, realizada em outubro. O caráter cultural, social, e até econômico, foi se encorpando ao aspecto religioso, transformando o festejo em status de grande evento. A cada edição ele atraía mais gente. Nos anos 1930 ele já estava consolidado como evento importante do calendário da Paróquia. É desse período a existência da Sociedade de São Raimundo Nonato, entidade responsável por angariar recursos para a paróquia e por custear os festejos. O evento se tornava cada vez mais significativo.

      Os anos 1940 e 1950 foram essenciais para esse fortalecimento. Isso se deu em razão da presença do padre Luís de Castro Brasileiro (chegado em 1942 e saído em 1961), que promoveu uma verdadeira “revolução”. Em 1944 ele incrementou ao evento uma passeata de vaqueiros, a tão aguardada procissão dos vaqueiros, realizada a cada 29 de agosto (Dia dos Vaqueiros). É também de sua autoria a Missa do Vaqueiro, e a profissão dos motoristas, essa idealizada em parceria do motorista Zuca Lopes, e realizada no ultimo dia da festa. É já dessa época a avivada parte social e cultural do evento. Leilões, quermesses, apresentação da banda de música, e outros entretenimentos, já faziam parte da programação. Para se ter ideia da sua importância, em 1957 a paróquia adquiriu, através do padre Brasileiro, uma fazenda para, entre outras coisas, depositar os animais que eram doados para os leilões durante o evento. Os anos de 1950 foram de edições bastante animadas.

Procissão dos vaqueiros de 1955

(Arquivo: Danilo Reis)

         Um desses momentos ocorreu na edição de 1953. No dia 27 de agosto do referido ano, a Paroquia de União comemorou seu primeiro centenário. Para as comemorações foi criada uma grande programação, com eventos religiosos, sociais e culturais. Por ocasião das datas ele foi inserido na programação dos festejos. Dentre essas festividades a de maior destaque foi a realização de um Congresso Eucarístico (o primeiro do Piauí), realizado entre os dias 23 e 27 de agosto. Nele, se fizeram presentes dezenas de autoridades católicas vindas de diversas partes do Nordeste. Bispos, arcebispos, vigários-gerais, e outras autoridades religiosas permaneceram em União durante quase uma semana. De outros municípios também vieram uma leva de romeiros, autoridades políticas e judiciárias. Foi um festejo com altíssima repercussão. Para os que o testemunharam, foi o maior evento já realizado em União.

           Nos anos 1980, 1990 e 2000, ele já figurava entre os maiores eventos religiosos da região centro-norte do Piauí. A cidade ficava “abarrotada” de gente. Romeiros, visitantes, e unionenses ausentes desembarcavam na cidade para os dez dias de festa. A cidade se preparava, o povo se preparava. Bastante aguardado, ele também movimentava a economia local. O grande fluxo de pessoas atraia comerciantes, ambulantes, e “camelôs”, que vinham de outros lugares para comercializar suas mercadorias nos arredores da igreja. Era comum também a presença de dezenas de “mendicantes”, que aproveitavam o período de grande movimentação para angariar algum pecúlio. Nos anos 1980, o então pároco Antônio José de Carvalho, vendo a necessidade de se ter um espaço para abrigar esse contingente, construiu a Casa dos Romeiros, localizada na Rua Padre Simpliciano. Durante muito tempo ela cumpriu com essa função.

Ambulantes e camelôs durante os festejos

(Arquivo: Danilo Reis)

           O espectro cultural também se avolumava. Por esse período já se tinha a presença do “parque de diversões” e das tradicionais “barracas de palha” no campo da CIBRAZEM (atual Parque Beira-Rio). Danceterias e discotecas também passaram a fazer parte das opções de entretenimento e lazer. É desse período as memoráveis festas dançantes no extinto “Balão Curt-Som”. A “praça de alimentação”, instalada na Praça Barão de Gurguéia (praça da Igreja), também se expandia a cada ano. Em 1993 o local passou por uma intervenção onde foi construído um ponto de venda  (a tradicional “barraca da praça”) e expandido o seu passeio. Com o crescente interesse social e cultural pela festa á Prefeitura Municipal passou a organizar a cada ano uma programação cultural. Hoje é de costume a colocação de um palco na praça para apresentações musicais e culturais de artistas “da terra” e de outros lugares. Apesar do crescimento das igrejas evangélicas na cidade, o evento não perdeu público. As celebrações religiosas, por exemplo, continuam atraindo muitos fiéis. Prova disso são as procissões de encerramento, que quase sempre batem recordes de público.

          O quase centenário festejo coleciona muitas memórias. São alegrias, fatos pitorescos, e ate fatalidades... Antes da existência do parque de diversões quem fazia a alegria da criançada era um animado caminhão que percorria as ruas da cidade ao som de muito forró. Ele era o principal equipamento de lazer. “Era uma maravilha! Agente pagava o ingresso e andava nesse veículo bastante animado” – lembra uma testemunha ocular. O evento também criou “certos vícios”. Criou-se um costume entre os noivos da cidade em se casarem no dia primeiro de setembro, fugindo do mês do “agouro” (para os supersticiosos) e aproveitando o clima de festividade. A data também foi caracterizada pelo tradicional “dia do lava prato”, onde outrora, os ambulantes e camelôs liquidavam suas mercadorias antes de irem embora. Quem nunca participou do lava prato?!?... Quem não se recorda da edição de 2000, onde a praça da igreja se transformou  num verdadeiro “comitê eleitoral”?! Vai pro Gerva's ou pro Bona's bar?!? E do animado encerramento da edição de 1991, que contou com a inauguração da Rádio União AM, a primeira da cidade?!? ...Poucos não vão lembrar da edição de 2004, onde um vendaval “arrasou” com a “ultima noite”, dia 31. A ventania dissipou a procissão de encerramento, destruiu barracas, danificou parte do parque de diversões e avariou  parte do telhado da Igreja Matriz. Naquele dia, não teve mais festa!... São memórias dos festejos.

          Se para muitos o mês de agosto é o do “desgosto”, para a maioria dos unionenses é o de maior “gosto”, o mais festejado, e o mais esperado. A grandeza dos festejos vai muito além do caráter religioso. Ele tem importância histórica, cultural, social, econômica, e sobretudo identitária para os unionenses. É tempo de encontro entre unionenses ausentes e presentes... Para nosso desgosto, esse ano não teremos tanto gosto. O que seria de nos sem os festejos de agosto?!

Que venham mais 96 anos!

*DANILO JOSÉ REIS é historiador e membro do grupo de pesquisa Piquete Explorador do Estanhado. 

Compartilhe este conteúdo: