Danilo Reis: As raivosas “lacerdinhas” da Praça Getúlio Vargas
Memórias da “pracinha do Fenelon”
*ESCRITO POR DANILO JOSÉ REIS
Esta coluna é publicada todas as segundas-feiras e trás a história, os fatos, os mitos e as polêmicas do município de União (PI).
Praça Getúlio Vargas, anos 1970 (Foto: Arquivo)
Quem frequentou a Praça Getúlio Vargas nos seus tempos áureos (anos 1970 e 80), tem boas lembranças para rememorar. O seu gracioso ajardinamento, a boa iluminação, o canto dos pássaros, as apresentações musicais no “Coreto”, a paquera costumeira durante os “rodopios”, e é claro, a bela arborização. Era um espaço repleto de plantas ornamentais e de árvores de médio e pequeno porte que embelezavam o traçado. Destacavam-se as inesquecíveis “figueiras”, que dominavam o espaço e formavam um conjunto harmônico, oferecendo uma ótima sombra para o largo. Elas já existiam desde a construção da praça, concluída no final dos nos anos 1930. Para um freqientador: “Era um encantamento!”. No entanto, entre tantas atrações e encantamentos, um detalhe fugia das características aprazíveis do espaço.
Praça Getúlio Vargas, anos 2000 (Foto: Reprodução)
As frondosas figueiras também era esconderijo para pássaros e outros pequenos animais. Entre eles havia um muito indesejável, um “insetinho” que causava bastante desconforto. Não era o famoso “potó” (inseto da ordem Coleoptera), hoje tão temido por suas “mijadas certeiras”, mas sim um minúsculo inseto “pretinho”, de corpo alongado e delgado, conhecido popularmente por lacerdinha. É uma espécie pertencente a ordem dos Thysanoptera, também conhecidos como tripes (“vermes de madeira”). No Brasil também são conhecidas como “amintinhas” e “barbudinhas”. Vivem e alimentam-se de madeira morta, se aninhando em árvores e outras plantas. Além de causarem danos a agricultura, também incomoda bastante os que se atrevem em incomodá-las. A Praça Getúlio Vargas, era, para o azar dos frequentadores, seu hábitat ideal.
As "famosas lacerdinhas" (Foto: Reprodução)
A copa das figueiras era bastante povoada por elas. Nas folhagens elas se escondiam e surpreendiam quem passasse por perto. Aí morava “o perigo”. Quando alguém passava ou ficava sob a sombra das figueiras o inseto caia no seu corpo. Caracteristicamente, com frequência atingia os olhos, e provocavam intensa irritação e ardência. As vítimas também se queixavam de uma intensa coceira, a chamada “coceira louca”. Na memoria dos que vivenciaram essa peculiaridade, as recordações são as mesmas. Alguns dizem: “eita bichin que dói...”; “é pior que pimenta malagueta...”; “era uma peste!”, e por aí vai. Alunos do Grupo Escolar Fenelon Castelo Branco e os que transitavam com frequência pela praça eram as maiores vítimas. Para os desavisados, a solução era se afastar o mais distante possível do “enxame de pretinhas”. “Mestre eu passava era longe”; “Era doloroso, mas divertido, eita lacerdinha danada”...rememora alguns que foram partícipes dessa “experiência”. Literalmente, tamanho não era documento para a proporção dos desagrados causados pelo insetinho.
Por ironia da História, o nome lacerdinha foi dado em referência ao político carioca Carlos Lacerda, famoso por sua radical e raivosa oposição ao Presidente Getúlio Vargas, o mesmo que empresta o nome á praça.
No entanto, hoje, as alvoroçadas lacerdinhas só se encontra nas memórias. Infelizmente, a praça já não dispõe dos mesmos aspectos aprazíveis do passado. Em 2010, as figueiras, principais hospedeiras do inseto, foram retiradas do local. O espaço passou no decorrer dos anos a perder seus aspectos paisagísticos, e o protagonismo de importante equipamento de cultura e lazer da cidade. O que restou foi somente as lembranças daqueles que vivenciaram esses tempos.
Retirada das figueiras na Praça Getúlio Vargas, 2010 (Foto: Arquivo)
As “picadinhas dolorosas” fazem parte da memória da Praça Getúlio Vargas, “a pracinha do Fenelon”, ou pra ser irônico, a “praça das lacerdinhas”.
Eita lacerdinha!
*Danilo José Reis é professor e membro do grupo de pesquisa Piquete Explorador.