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Thiago Inácio: Povoado mais antigo, por que o Salobro não se tornou sede do município?

Thiago Inácio: Povoado mais antigo, por que o Salobro não se tornou sede do município?

No texto desta terça-feira (04/08), Thiago, escreve sobre construção histórica da mais antiga comunidade de Lagoa Alegre (PI): O Salobro.

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Placa indica localização do povoado (Foto: Aquivo)

Escrito por Thiago Inácio

De acordo com os vestígios documentais e orais, o povoado Salobro tem ao menos 200 anos, passando a ser habitado entre o final do século XVIII e início do século XIX. Ao que se sabe, foi por volta de 1820 e 1830 que lá fixou residência a família de Félix Machado Coêlho e Maria Dulira de Araújo, a quem as terras do Salobro passaram a pertencer, sem haver, no entanto, nenhum registro sobre a forma de aquisição das mesmas.

Félix, senhor de escravo, provavelmente vindo de Campo Maior ou do lugar “Liberdade”, em União, fôra latifundiário afamado, despertando rancores em figuras como Trajano Coitinho e seu irmão, o delegado Cândido Coitinho. Seu poderio abrangia o açude da comunidade, à época, uma mata de paus altos e grossos, derrubados, queimados e cortados pela mão escrava, para a sustentação da parede do olho d’água. ¹

Da união de Félix e Dulira, originaram-se diversas famílias. Dentre elas: os Justinos, os Duricos, os Militão, os Damiana, Fulô, Coró, Clarindo, entre muitas outras que expandiram e habitaram aquelas terras que dentre várias outras coisas, foi palco de revoltas resquícios da balaiada no Estanhado.

Sendo assim, o povoado, antes chamado “Bom Tempo”, se constitui como uma das mais antigas povoações da região que, um século e meio mais tarde viria a se tornar o município de Lagoa Alegre, participando ativamente de fatos históricos e da constituição familiar lagoalegrense.

Dessa forma, cabe-nos perguntar o porquê aquele povoado não se desenvolveu sócioeconomicamente a ponto de se tornar uma área central de Lagoa Alegre, mantendo um núcleo consolidado secularmente. 


Não é possível responder essa pergunta senão por um exercício de imaginação, uma vez que a literatura é bastante escassa e, ainda assim, precária. Algumas personagens foram consultadas de modo a empreendermos alguns comentários a cerca do tema e, quem sabe, desenvolvermos uma resposta satisfatória.

1 - ASPECTO POPULACIONAL
É bem verdade que as famílias que se instalaram no Salobro eram tradicionais e de poderio econômico considerável. Eram latifundiários, militares, gente de instrução. Isso, em tese, eleva o nível social, de onde poderiam surgir as bases que sustentariam-no enquanto área central e desenvolvida do município. No entanto, sabe-se que houve uma dissolução na composição populacional. Os descendentes de Félix bandearam-se para outras regiões, bem como os descendentes de Torquato Machado, que se entrelaçaram com a família Araújo Coêlho, de Zuza. No início do século XX, o casamento com habitantes de outras regiões, não-parentes, já era uma realidade no povoado.

2 - DIFÍCIL ACESSO
É importante resaltar que o transporte no século XIX era extremamente precário e, no interior piauiense, era feito no lombo de animais através de veredas. Segundo a profª Maria de Jesus Coêlho, “a estrada que dá acesso ao município praticamente não existia. Os primeiros serviços para melhoramento da mesma foram feitos pelos próprios moradores ao longo dos anos, e somente na década de 70 foi possível a passagem de automóveis motorizados”. Dessa forma, o povoado se encontrava “isolado” em meio a uma região de mata espessa e de grandes serras.

3 - LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA
O ítem anterior é uma consequência deste, uma vez que o a localização geográfica do povoado Salobro não foi propícia ao desenvolvimento deste, em razão das dificuldades em se manter um contato intimo com a vila de União. Por outro lado - e este talvez seja o melhor argumento a cerca do tema - o povoado Lagoa Alegre contava já em fins dos século XIX com um contingente populacional considerável, em razão de sua privilegiada localização geográfica, fazendo fronteira com diversas regiões, recebendo assim um fluxo de imigrantes que entravam por Barras, Miguel Alves, Vila do Livramento (atual José de Freitas), entre outras. Foi dessa forma que lavradores, vaqueiros, descendentes de escravos e homens de negócios, como Odorico Marques, Joaquim Machado e José Moita, encontraram em Lagoa Alegre, não no Salobro, um meio muito mais possível de vida, um “porto seguro”. Os primeiros, no sustento pela lavoura de subsistência, os últimos, interessados no potencial natural da região, rica na produção de babaçu, carnaúba e charque e com acesso por diversas frentes.
Foi também em Lagoa Alegre que o comércio se estabeleceu com grandes comerciantes como Orestes Borges, o já citado Joaquim M. Portela e o folclórico Batista.

4 - MANANCIAL
O último argumento que uso para explicar o porquê Lagoa Alegre, em vez do Salobro, se tornou a região central do município, está ligado ao principal símbolo deste povo: a lagoa.

Imagem da lagoa em 1972 - (Foto: @lagoa_alegre_memorias)

Segundo o historiador Danilo José Reis, o manancial para abastecimento de fazendas e roçados foi importante para que Lagoa Alegre se consolidasse enquanto área central.

Embora o açude do Salobro date ainda do período escravocrata - sendo cavado por negros, e a terra carregada em couros de gado colocados em um arco de madeira - e o povoado contasse com cacimbões diversos, como o de Torquato Machado (próximo ao riacho do Gonçalo), o poço velho de Zuza e o poço de Pedro Cirino, é em Lagoa Alegre que o potencial hídrico se centraliza. É lá que se situa a icônica lagoa que, estima-se, abasteceu a antiguíssima Casa Grande loalizada  às margens da mesma - e que foi demolida em 1955.

Segundo o ex-vereador Osael Borges Leal, “Lagoa Alegre está ‘bem próxima’ do litoral. As águas que passam pela Fazenda São José, são águas do riacho da Olaria. Essas águas vão ao encontro das águas da lagoa do Jenipapeiro, de lá para o Angico, do Angico para o Riachão, depois para o rio Longá, que deságua no Parnaíba e, por fim, no delta do Parnaíba. Por isso houve o engajamento, por isso lutou-se muito pela independência. Lagoa Alegre está muito bem localizada. Ela tem ligação com diversos outros municípios. Logo, se trata de um ponto estratégico. Somos agraciados territorialmente. Nós temos uma grande reserva de água.”.

Serão, mais tarde, essas particularidades naturais que servirão de pilar para a consolidação do povoado e seu crescimento, despontando para a modernidade e a influência política e econômica que a farão ultrapassar o antigo povoado Salobro que, a despeito de ser historicamente a mais antiga povoação de que se tem notícia em Lagoa Alegre, não obteve destaque a ponto de se constituir como eixo central do município.

Imagem de Lagoa Alegre atualmente - (Foto: @lagoa_alegre_memorias)

   
1. Trecho da obra “Historia do Povoado Salobro”, de Maria de Jesus Chaves Coêlho.

 

Thiago Inácio é estudante de Antropologia pela Universidade de Brasília e editor da página Lagoa Alegre Memórias no Facebook

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