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"O que se proibia na União de antigamente"?!

"O que se proibia na União de antigamente"?!

O que se podia fazer ou não, na antiga Vila da União?!

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Praça Getúlio Vargas, 2010 (Foto: Arquivo Pessoal)

Já imaginou como seria viver, morar, trabalhar, e se “comportar” na remota União do século XIX? Será se aqui era uma “terra sem lei”, impune, sem normas ou determinações? Muita gente pode imaginar que sim, porem, a resposta é totalmente o inverso. O que não faltava aqui eram regras, normas e imposições. Nesse período vigoravam os códigos de posturas municipais, um conjunto de regras impostas pelas vilas e “cidades” para bem ordenar e administrar a vida social e urbana de seus municípios. Era uma importante ferramenta de regulação e de controle social e moral de suas populações. Era como uma “pequena constituição municipal”. O primeiro cpm de União foi criado após sua emancipação política, em 1853. Até então, se obedecia às normas ditadas por Campo Maior.

Em 1873 aprovou-se um novo, bem mais amplo e rígido do que os anteriores. Ele continha 14 capítulos e 127 artigos, e abordava uma série de matérias. Tratava-se sobre a edificação de casas e prédios; asseio público; atividades comerciais; sepultamentos; criação de animais; ordem pública; costumes, e uma serie de outras questões. Mas enfim, o que ele dizia?

O cpm já iniciava com os regramentos urbanos. Ele proibia, por exemplo, à edificação de casas cobertas de palha, em alguns trechos delimitados pela Câmara, que basicamente correspondiam a zona mais central da vila – o entorno da Igreja Matriz. Quem possuísse edificações nessas condições, tinha, conforme a lei, o prazo de dois anos (a contar a partir da aprovação do código) para fazer as adaptações. Quem não conseguisse teria que desembolsar uma avultosa quantia a Câmara Municipal, o que simultaneamente resultava na perca do bem. Isso seguramente acarretou na retirada da população mais pobre do centro da vila. Aqueles que por ventura conseguissem a tal proeza, deveriam seguir rígidas normas de ordenamento urbano. Todas as edificações deveriam, por exemplo, ter na frente uma calçada construída de “tijolos ou de pedras lavradas”, e um muro obrigatoriamente construído de “pedra, tijolo, madeira ou de talos” em volta de seus quintais. Além do mais os imóveis deveriam ser “concertados” e caiados anualmente, a cada mês de junho. A prioridade era “embelezar” o perímetro tido como mais importante da vila. É de se imaginar que pouquíssimos foram os que conseguiram acompanhar essas normativas.

Zona urbana de União, anos 1980 (Foto: Acervo Danilo Reis)

A limpeza pública, hoje tão lamuriante pelos unionenses, seguia regras bem distintas das atuais. A responsabilidade pela limpeza era dos próprios munícipes. “As ruas serão limpas todos os fins de mês pelos habitantes respectivos, sob a pena de multa de mil reis por cada vez que deixarem de proceder” ... deixava bem claro o art. 19 do cap. II. Terrenos desocupados ou “baldios” também deveriam ser asseados uma vez a cada mês por seus proprietários. As “praças” ou largos, eram de responsabilidade da própria Câmara Municipal, que através do seu procurador providenciava o asseio. Ele também era o responsável pelo cemitério, que deveria ser limpo anualmente e arborizado por “ciprestes e flores em forma de jardim”. Caso não cumprisse com suas obrigações, o procurador também sofria com as penalidades.

Outro quesito que chamava atenção era o do artigo 15º.  Ele proibia em toda a extensão do município o corte de árvores frutíferas e de palmeiras “que dessem frutos”. A única exceção era o trecho correspondido pela “décima urbana” (trecho central da área urbana), em lugares que fossem autorizado alguma edificação. Essa proibição valia para todo mundo: “escravos, agregados e patrões”. Quem abnegasse à ordem pagaria uma multa por cada árvore derrubada, e quem não tivesse meios de paga-la iria-se para a prisão. Observa-se com essa medida a intensão de se conservar recursos naturais importantes para a sobrevivência da população.

As posturas também regravam as atividades comerciais, com destaque aos negócios no mercado público. Era submetido aos que vendessem “carne verde” (carne de animais abatidos na véspera do consumo) na casa do mercado, deixar em bom estado de higiene os utensílios utilizados para o retalho, e o local onde a carne fosse depositada. Ela deveria ser vendida ainda fresca, no máximo em até 12 horas após a matalotagem. Para os legumes e verduras as regras não eram muito diferentes. Eles deveriam ser vendidos dentro de 24 horas após a colheita. A punição para os descumpridores da lei era a “infalível” multa.

Escrava Salviana, amordaçada (Foto: Acervo do Piquete)

O código também era bem rígido em relação as regras de comportamento. O cap. VIII. era bem peculiar. Ele trazia como titulo: “Vagabundos e embriagados, tumultos e escravos abandonados”. Nele, as sanções se aplicavam aqueles quem fosse flagrado nas ruas “de cara pra cima”, como diz o velho jargão. Dizia o art. 68: “os vagabundos que forem encontrados nas ruas desta vila em estado de ociosidade, serão conduzidos à presença policial...”. E não era só isso. Ademais eles deveriam assinar perante as autoridades um termo se comprometendo a retornarem dentro de duas semanas comprovando terem conseguido alguma ocupação “útil e honesta”, caso contrário, passariam oito dias na prisão. Foram muitos os bebuns e embriagados que acabaram no xadrez dessa forma. O uso de armas também era bem criterioso. Era proibido o porte de armas branca e de fogo nas ruas, exceto para os militares em diligências. O mesmo servia para magarefes e caçadores, que só poderiam porta-las no exercício de suas funções.  A única exceção era o uso de algumas armas durante festividades cívicas e religiosas, mas permitido somente aos empregados públicos.

A vida da “cachorrada” também não era nada fácil. O medo da raiva os colocou na mira das autoridades. Os que fossem apanhados soltos no centro da vila estavam sujeitos a serem mortos da maneira que o fiscal desejasse. Assim dizia a lei. Por sorte, o mesmo não valia para outros animais. Ovinos e suínos, por exemplo, deveriam ser criados presos, mas caso fossem apanhados na rua, eram capturados e leiloados pela Câmara, caso seus respectivos donos não pagassem a multa “de resgate”.

Outros quesitos também chamavam muita atenção. Era proibido “soltar-se animais danados (diga-se em estado de ferocidade) nas ruas”, e atear fogo nos campos ou matas nos períodos não permitidos. Também era proibido o deposito de material de construção nas vias públicas sem a autorização da Câmara, assim como eram extremamente ilícitos os jogos de azar, os “batuques e dança de pretos”. Escravos também eram proibidos de transitar pelo “Centro” maltrapilhos ou portando algum instrumento de castigo.

Capa (Foto: Acervo Danilo Reis)

Todos esses artigos eram suscetíveis a multas caso fossem infligidos. Elas eram muito lucrativas para a Câmara, uma verdadeira “fábrica de multas”. A própria administração municipal já contava com esses proventos nos seus planos anuais de receita e despesas. Esse conjunto de leis vigorou por muitos anos, sendo renovado repetidas vezes. Como se imagina, eles não agradavam a todo mundo, principalmente aos que costumavam transgredir as leis.

Ao analisá-lo, nota-se, a tentativa de se modernizar não só o aspecto paisagístico e arquitetônico da vila, mas também os costumes e hábitos da população. A finalidade era, de alguma maneira, tentar passar uma boa impressão “de modernidade e civilização”. Elas dão uma noção de como se vivia, ou como se deveria viver “na União” oitocentista. Pode-se perguntar: era fácil ou difícil viver em União de antigamente??! Hoje está melhor ou pior?? Como seria a aplicação dessas regras nos dias de hoje?? Eis a questão...

Centro de União, 2019 (Foto: Danilo Reis)

 

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