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Danilo Reis: Prefeitos de Getúlio - o major e a volta do coronel

Danilo Reis: Prefeitos de Getúlio - o major e a volta do coronel

O conturbado fim do Governo Provisório em União

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*ESCRITO POR DANILO JOSÉ REIS 

Esta coluna é publicada todas as segundas-feiras e trás a história, os fatos, os mitos e as polêmicas do município de União (PI).

Na semana passada tratamos sobre o início da “Era Vargas” e da passagem dos dois primeiros prefeitos desse período: Dr. Segisnando Alencar e o tenente Emílio Rodrigues. Como abordado, eles governaram por pouquíssimo tempo, e num cenário de muitas dificuldades e obstáculos. No entanto, essa fase continuou com a nomeação de dois novos gestores.

Coronel Filinto Rego (Foto: Acervo do Piquete)

Após a saída do bem avaliado Emílio Rodrigues, a prefeitura de União continuou na mão dos tenentes. Assumiu o também “forasteiro” major Apolinário Monteiro, um septuagenário oficial da Força Pública do Piauí (atual Polícia Militar), que tomou posse no início de janeiro de 1932 e permaneceu até o fim de 1933. Ao contrário de seu antecessor, não teve tanta habilidade para contornar as dificuldades, sobretudo as de âmbito político.

O ano de 1932 foi bem adverso. O Nordeste voltou a ser castigado por uma grande seca, e o sul do país foi sacudido pela “Revolução Constitucionalista”, ou “Guerra Paulista”. Tanto as conturbações políticas quanto a estiagem criaram vários obstáculos para a administração, que se somaram aos já conhecidos. Apesar da razoável recuperação financeira, os cofres municipais ainda mereciam bastante atenção. Sob essa óptica, o novo prefeito deu início a sua administração promovendo uma pequena reforma administrativa na prefeitura. Entre elas, ele recriou a função de Fiscal, com o objetivo de barrar o contrabando de mercadorias que vinha acontecendo no “porto”. Diante das dificuldades econômicas gerados pela seca ele também criou mecanismos para obtenção de receitas. Entre eles a introdução de dois novos encargos: um sobre a venda de carnes, e outro para os lavradores e “vazanteiros”. No entanto, soltar o “leão” no bolso dos unionenses não foi a decisão mais inteligente. Essas taxações não foram bem recebidas, e acabaram gerando muito descontentamento, sobretudo nos marchantes e nos grandes agropecuaristas, entre eles, o coronel Filinto Rêgo. Elas acabaram provocando muitas “dores de cabeça” para o gestor.         

Outro detalhe que não deixava de ser percebido era a onerosa usina de energia elétrica, que continuava “sangrando” os cofres da prefeitura. Para tentar solucionar de vez a questão o major resolveu interferir no epicentro do problema, que morava no modelo de distribuição que prevalecia desde a sua instalação. Era um modelo que beneficiava alguns dos concessionários, a maioria aliados do ex-intendente, mas que gerava desvantagens para o restante da população, resultando em um grande prejuízo para a prefeitura. Contudo, o que ele não imaginava era que também fazendo isso estaria arrumando mais problemas. Era mexer em um “grande vespeiro”, isso porque o modelo de concessão e tributação era de autoria do coronel Filinto, ainda de 1929. Mexer em tais interesses era arrumar uma baita “confusão”... mas não teve saída.

Foi estabelecido então um prazo para que todos os “beneficiados” se readequassem as exigências. Porem esse prazo foi totalmente ignorado, o que deixou a prefeitura sem muitas opções. Diante do descumprimento o major não viu outra solução a não ser a de suspender o fornecimento de energia da cidade, sob a alegação de não ter mais como arcar com os prejuízos. Dessa forma a Usina foi desligada e a cidade ficou totalmente “as escuras”. Isso gerou muitas manifestações. Insuflados pelo ex-intendente e aliados, a população descontente realizou uma série de protestos, com direito inclusive a “tiros contra a Prefeitura”. Foram dias de muita instabilidade e de ânimos bastante exaltados. A energia só foi restabelecida após a intermediação do Interventor federal, o que não diminuiu o descontentamento com o major. O Incidente da Usina, foi o período de maior tensão desse momento da História de União (será contada na íntegra em A Cronologia do Estanhado:  memórias).

Presidente Getúlio Vargas (Foto: Reprodução)

A intervenção no modelo de concessão coincidiu com a revolta dos paulistas no sul e com o período mais crítico da estiagem. Isso avultou ainda mais os problemas. Aproveitando o ensejo da “Revolução de 1932”, Filinto Rêgo e seus aliados declararam apoio aos constitucionalistas. Traduzindo, “guerra ao governo do major”, representante de Getúlio Vargas em União. Esse “apoio”, se via na prática, através  dessa enérgica oposição ao governo municipal. Porém pode-se imaginar que nessas alturas o coronel já tivesse outras cartas na manga, ou outras intenções. A “revolução paulista” seria mais um pretexto para desestabilizar o governo Apolinário.

Além dos adversários políticos, questões internas também comprometeram e muito a estada de Apolinário na prefeitura. O comportamento indevido de alguns auxiliares, e desentendimentos com membros da própria administração ajudaram a desgastá-lo. A fama de destemperado e de “indelicado” também pesava contra. Outrossim, o envolvimento da Força Pública unionense na “Guerra Paulista”, resultou na demissão de alguns de seus auxiliares. Para agravar a situação um grupo de comerciantes assinaram um manifesto contra as medidas consideradas “impopulares” do prefeito. Esse abaixo assinado foi capitaneado pelo coronel, e enviado para o interventor federal Landry Sales. Foi o golpe final! Após um ano e nove meses de atribulada gestão ele foi substituído, ou melhor dizendo, derrubado!

A queda do major ressuscitou um velho conhecido. Filinto Rego, o coronel. Por meio dos meandros da política ele conseguiu retornar ao comando do município, agora não mais como “inimigo da revolução”, mas como aliado do antigo opositor. Foi algo bem inusitado paro o regime varguista: um coronel derrubar um tenente, ou um major. Contudo, foi o que de fato aconteceu.

"Frases da  História"  - (Foto: Reprodução / Instagram / @piqueteexplorador)

De volta á dianteira da política local Filinto governaria até 1935, já dentro dos limites do Governo Constitucional. Nessa segunda passagem pela “prefeitura” ele conseguiu empreender obras importantes, como uma intervenção no Riacho da Raiz, que causava muitos transtornos durante o período das cheias. Além disso criou uma Banda de Música, a primeira da cidade.  Sem sofrer nenhuma efetiva oposição, ele administrou soberano, sem grandes percalços. Ademais, o período serviu para sua consolidação como aliado do regime varguista.

 

Afinal, o fim do Governo Provisório trouxe de volta o velho grupo político dominante antes da “Revolução de 1930”.  Esse surpreendente retorno consolidaria o coronel no poder e em pouco tempo o transformaria na figura mais emblemática do contexto político unionense desse período. A Era Vargas viria ser a Era Filinto, ou a “Era do coronel”.

A política em União é traduzida dessa forma. Ela é cheia de ziguezagues, sobressaltos, e muitas surpresas. Nada pode ser considerado impossível ou irreal. Parafraseando Raul Seixas, a política é uma “metamorfose ambulante” ... e assim é o universo político-partidário unionense. Aqui foi uma pequena síntese de um período muito movimentado da nossa História política. O início e o fim da movimentada Era Vargas serão contados na íntegra no livro “A Cronologia do Estanhado: memórias”, que será lançado em breve.

*Danilo José Reis é professor pesquisador. É membro do grupo de pesquisa Piquete Explorador do Estanhado.

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