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Danilo Reis: Prefeitos de Getúlio: o aliancista e o tenentista

Danilo Reis: Prefeitos de Getúlio: o aliancista e o tenentista

O desempenho dos dois prefeitos primogênitos da Era Vargas em União

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*ESCRITO POR DANILO JOSÉ REIS 

Esta coluna é publicada todas as segundas-feiras e trás a história, os fatos, os mitos e as polêmicas do município de União (PI).

A chegada de Getúlio Vargas ao poder através da “Revolução de 1930” inaugurou uma nova página para nossa História. O golpe chefiado por ele desconfigurou algumas estruturas enraizadas no país, como o domínio das facções oligárquicas na política administrativa nacional desde o início da república. Esse arranjo, combatido pela política do novo presidente, passou a ser colocada em prática logo no início do governo, através do aniquilamento dos seus adversários do processo político-administrativo. O Governo Provisório promoveu a substituição dos governadores (presidentes de Estado) por interventores federais, isto é, homens da inteira confiança do novo mandatário. Esse modelo também foi exportado para os municípios, cujos representantes (Intendentes) foram em sua grande maioria substituídos por figuras alinhadas ao governo. Eram perfis que deveriam se encaixar nas lides do presidente, ou seja, aqueles adeptos a Aliança Liberal, ao movimento tenentista, ou a outras estruturas simpatizantes a “revolução”. Era a hora e a vez dos tenentes. Em União as comutações acompanharam esses desdobramentos.

Dr. Segisnando Alencar  (Foto: Acervo do Piquete)

            Nesse período quem tinha as rédeas da administração municipal era o coronel Filinto do Rego Monteiro, eleito Intendente (prefeito) nas eleições municipais de 1928 (as últimas antes da chegada de Vargas). Ele pertencia a poderosa casta dos “Rego Monteiro”, oligarquia que dominava as amarras políticas-administrativas locais desde o início da Primeira República. Além de pertencer ao “condomínio de fazendeiros”, combatido por Getúlio, apoiou publicamente o candidato Júlio Prestes na sucessão do presidente Washington Luís em 1930.  Ou seja, era um opositor nato e considerado “inimigo da revolução”, portanto, suscetível a destituição. Para o seu lugar deveria ser nomeado alguém de proposições getulistas. Um “tenente” ou  um “aliancista”.

           Nesse momento, a Aliança Liberal em União encontrava eco na família “Alencar”, através do político e comerciante Segisnando Alencar, que tinha muita simpatia do “revolucionário” Benedito Martins Napoleão. Sem muitas surpresas ele foi o primeiro escolhido para ocupar o lugar de Filinto Rego, “deposto” poucos dias após deflagrado o golpe de estado. Filinto, nesse momento seguiria na oposição, pelo menos por enquanto.

           É importante frisar que nos primeiros anos do governo varguista houve um intenso rodízio nas administrações municipais. Os interventores (prefeitos) eram substituídos  constantemente, numa verdadeira “dança das cadeiras”. Isso engendrava muitas dificuldades para os administradores, pois o pouquíssimo tempo de governo  impedia a realização de grandes ações. Para ser ter ideia, somente durante o governo provisório (1930-1934), União foi administrada por quatro prefeitos, com a maioria governando por menos de um ano. Além do curto período de tempo, as dificuldades advindas com conturbações políticas e econômicas agravavam a situação. A crise de 1929 refletia nas finanças municipais. União enfrentava uma preocupante crise financeira, com salários atrasados, dívidas com fornecedores, bancos, e prejuízos nas contas públicas. Esse foi o cenário encontrado por esses administradores.

Presidente Getúlio Vargas (Foto: Reprodução)

            Aqui será destacado os dois primeiros,  o “aliancista” dr. Segisnando Alencar, e o “tenentista” Emílio Rodrigues. Ambos foram os vanguardistas em experimentar o novo modelo de gestão em União. Contudo, apesar dos percalços gerados pela crise, eles demonstraram muito habilidade para dribla-los. Dr. Segisnando, o “patriarca” dos Alencares, foi o primeiro a tomar as rédeas, perdurando na função por cerca de sete meses.  Comerciante, e já acostumado na seara da política, ele não se surpreendeu com o que encontrou. A frente da prefeitura voltou-se para uma estratégia de contenção de gastos, priorizando a saúde financeira do município. Entre as primeiras medidas reduziu o número de funcionários da prefeitura, com o objetivo de enxugar a folha e não extrapolar a margem de 15% com o pagamento de funcionários. Procurou da mesma forma abater parte da dívida com fornecedores, especialmente com a da energia elétrica. A prefeitura tinha uma débito estratosférico com a empresa que fornecia a energia para a cidade, instalada em 1929. Com essas e outras condutas ele conseguiu diminuir parte dos déficits, deixando a prefeitura em melhores condições financeiras de governabilidade. Em maio de 1931 ele foi substituído, deixando uma boa imagem como administrador.

              Para o seu lugar assumiu o “tenentista” Emílio Rodrigues da Cunha, “forasteiro”, e primeiro-tenente da  Força Pública do Piauí  (atual Polícia Militar). Ele herdou a prefeitura, como já dito, em melhores condições de governabilidade. Mesmo assim deu prosseguimento a política de atenção as contas públicas, e repetindo o seu antecessor conseguiu reduzir em mais de 60% a dívida com a usina de energia elétrica, o grande gargalo da PMU. Isso lhe deu condições, mesmo em pouquíssimo tempo, de empreender algumas obras importantes. Foi feita uma grande reforma no antigo Mercado Municipal, construídas algumas pontes de madeira na zona rural, adquirido equipamentos para a usina de energia, e feita a limpeza da estrada de rodagem que ligava a Teresina. Após nove meses de governo ele também foi substituído, deixando uma imagem muito boa para os munícipes e para seus superiores. Fruto de seu bom desempenho conseguiu deixar a prefeitura com as contas relativamente no “azul”. Chegou, inclusive, a ser elogiado publicamente pelo Interventor Landry Sales, através do Diário Oficial. Em janeiro de 1932 ele deu lugar ao major Apolinário, outro “tenentista”, mas que ao contrário do “colega”, não gozou de muito sucesso.

Brasão oficial do município de União (Foto: Reprodução)

           As abreviadas gestões do aliancista e do tenentista marcam o início de um período bem instável para a política local. Depois de Segisnando e Emílio vieram outros prefeitos “instantâneos”, alguns logrando sucesso e outros nem tanto. De 1930 a 1937 os unionenses testemunharam vários desdobramentos na sua política administrativa, inclusive assistindo antigos adversários do regime retornando a política local agora como aliado. Os primeiros dois  “prefeitos de Getúlio”, apesar de pouco serem lembramos, merecem mais destaque pelo desempenho que tiveram em meio a um cenário político e administrativo de muitas dificuldades, crises, e adversidades. Segisnando e Emílio deveriam ser recordados na mesma grandeza de suas performances, e não pelo efêmero período de suas administrações.

*Danilo José Reis é professor e membro do grupo de pesquisa Piquete Explorador.

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