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Danilo Reis: Você acredita ou desacredita? A fé e a crença no “milagroso” vaqueiro Manuel Felício (ou Felipe)

Danilo Reis: Você acredita ou desacredita? A fé e a crença no “milagroso” vaqueiro Manuel Felício (ou Felipe)

“Muita reza, pouca missa. Muito santo, pouco padre”. Devoção e fé no tido vaqueiro milagroso de União

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Foto: "Mini santuário" do vaqueiro Manuel Felício (Danilo Reis)

      A fé do sertanejo, sobretudo a do nordestino, é munida por crenças, crédulos e por uma “fé cabocla”, emoldurada pelo tempo através do sincretismo religioso das culturas afro, indígena e europeia.  Esse entrelaçamento possibilitou a junção de elementos de várias culturas, gerando, assim, uma cultura religiosa específica, vernacular, e relativamente distante dos dogmas oficiais da Igreja Católica. Esse conjunto de crenças, ladeada por “marcas” e especificidades, moldou uma modalidade de catolicismo paralelo a face do catolicismo oficial. Uma dessas “marcas” se reflete nas maneiras de como se manifesta essa fé. Ela assim se traduz. Ao mesmo tempo que se acredita nos santos oficiais, em penitências e em romarias, também se acredita em mandingas, superstições, “aparições”, “assombrações”, e se cultua, com forte devoção, os “santos pagãos”, chamados também de “almas milagrosas”, sujeitos venerados sem a chancela da Igreja.

      Esse tipo de devoção é bastante tradicional no interior do Nordeste, avistado com muita frequência nas comunidades mais tradicionais. Nesse universo se inclui União, detentor de um “panteão de santos pagãos”. Um deles é Manuel Felício, ou “Manuel Felipe”, vaqueiro que residia nas imediações do atual bairro Areias – subúrbios de União, há muito tempo atrás. Outrora no anonimato, ele se tornou evidente após seu falecimento, ocorrido de maneira trágica e misteriosa.

Foto: Túmulo de Manuel Felício (Danilo Reis)

          Ele, já com uma certa idade, mas com muita experiência na lida diária do campo e do gado, faleceu enquanto “campeava” na região da “Lagoa do Lacerda”, no atual “Bairro Olaria”, em local, como o nome evidencia, utilizado para a retirada de barro usado na fabricação de telhas e de tijolos. Resultado dessa atividade, o local tornou-se repleto de buracos e valas profundas, verdadeiras armadilhas para quem transitasse por ele. Foi assim que, um certo dia, Manuel Felício perdeu a vida, desaparecendo sem deixar pistas ou rastros.

          Após três dias desaparecido, saíram em sua procura. Seguindo algumas evidências, chegaram até um determinado buraco – então cheio de água, onde encontraram o seu corpo e do seu cavalo. De acordo com uma versão da história, também teria sido encontrado, junto com eles, o cadáver de um cão, certamente o “amigo fiel” que acompanhava o vaqueiro. Ambos teriam caído acidentalmente no buraco e morrido afogados. Imagina-se que o fato tenha provocado espanto e alvoroço entre a população.

          Devido a morte trágica e certamente sofrida, Manuel Felício passou a ser considerado por muitos, como “obreiro”, “milagreiro”, e “santo”.  Sua sepultura, situada nas proximidades onde fora encontrado, passou a ser bastante visitada. A princípio, munida apenas de pedras e de uma decrépita cruz, sem adereços ou ornatos, transformou-se sem tardar, em um “mini santuário”.

           Para os que acreditam nos seus “poderes de santo”, “promessas” são feitas frequentemente em seu nome. O túmulo, é o grande reflexo dessa devoção. Gradativamente, ele foi sendo transformado, ganhando jazigo, cobertura, proteção, isso, fruto de supostas “graças” conseguidas por sua intercessão. Dessa forma foi edificada uma mureta em torno do túmulo, providenciado por Dona Francisca Medeiros (devota); construída uma cobertura – também fruto de “promessas”; feita a reforma da sepultura e a colocação de uma nova cruz; um pequeno portão; asseios; e outras melhorias que constantemente são deixadas pelos que visitam o local. Ele é majoritariamente frequentado por moradores das adjacências que, em grande parte, levam velas, flores, ornamentos e costumeiramente queimam fogos, geralmente no Dia de Finados.

        O pequeno “santuário” está situado no prolongamento da Rua Coronel Narciso (“estrada” das Areias), logo após a ponte sobre o Riacho do Caranguejo. Ele se encontra em terreno particular – mas acessível aos frequentadores – há alguns metros da estrada carroçal. Dona Salomé Oliveira, uma das moradoras mais antigas do bairro, atesta que a história é muita antiga, já beirando ou excedendo os cem anos.

        Não se sabe por enquanto a verdadeira identidade do vaqueiro Manuel Felício (ou Felipe, para alguns). O certo é que ele é venerado por muitos unionenses, sobretudo rogado em momentos de “urgência” e de “angustia”. Os milagres creditados a ele não são reconhecidos pela Igreja Católica, e nem se conhece alguma intenção para que isso aconteça. Contudo, isso não interfere absolutamente em nada, para os que acreditam, no credo e a fé na “alma do vaqueiro milagroso”, que continua firme, inabalável, e independente de qualquer burocracia religiosa.

      Mesmo sem esse reconhecimento oficial, Manuel Felício integra o “panteão de santos pagãos” que temos em União, que se incluem, além dele, outros “bem aventurados”, entre eles: as almas do “finado Antônio”, da “finada Sofia”, das “três alminhas do São Felipe”, dos “noivos do Cocal”, do “caixeiro das Aroeiras” (Cruzeiro das Aroeiras), dos “cativos da Cana Doce”, e a mais evidenciada: a da “santa Isabel dos Milagres”.

      É importante entendermos que esse catolicismo “autóctone”, exerce uma função bastante vital para o povo [católico] que vive na labuta diária da sobrevivência. São manifestações religiosas inseridas dentro de um universo de saber, de práticas e na maioria das vezes reação, cultuadas e vividas entre as camadas mais populares da população, sobretudo as rurícolas.

     Em terreno de muita reza, pouca missa, muito santo, e pouco padre, santo de casa, obra ou não obra milagres??!

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