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Danilo Reis: Violência - o feminicídio de Antônio Magdalena

Danilo Reis: Violência - o feminicídio de Antônio Magdalena

O triste fim de Eufrásia de tal e Maria do Bonfim

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*ESCRITO POR DANILO JOSÉ REIS 

Esta coluna é publicada todas as segundas-feiras.

O assassinato de Eufrásia e Maria do Bonfim (Foto: Arquivo do Piquete)

O ano de 1888 foi marcado por um crime bárbaro que chocou a sociedade unionense. No dia 01 de maio ocorreu um duplo assassinato no interior do município (no lugar conhecido por Santo Amaro) cometido por um homem chamado Antônio Magdalena. Instigado por motivos passionais, ele assassinou brutalmente duas mulheres, Eufrásia (sua companheira), e Maria do Bonfim, uma vizinha. O crime teve muita repercussão. Ele foi destacado nas páginas do jornal A Phalange, periódico de grande circulação no Piauí. A história que desembocou nessa “chacina”, teve inicio alguns anos antes.

Antônio Magdalena era um homem simples, da “roça”, e dono de um temperamento muito forte. Foi descrito pela imprensa como um ser “rude, miserável e boçal”. Ele residia na zona rural da então Vila de União com Eufrásia de tal, mulher com quem vivia amancebado há mais de 4 anos. Levavam uma vida simples, sem luxos, e com muitas dificuldades. Essas condições o fizeram abandonar a casa e rumar para o Norte em busca de dias melhores. Por lá se demorou por algum tempo, vivendo entre as províncias do Amazonas e do Pará. Passados um ano e meio após a partida ele resolveu voltar para os braços da companheira. Agora, não mais com as mãos vazias, conforme deixou a vila e a amante. De lá ele voltou rico e abonado. Na bagagem trouxe roupas, relógios de ouro, joias, louças finas, e muito dinheiro. Havia descoberto o “Eldorado”. De volta para sua Eufrásia ele resolveu dividir com ela parte do espólio, “enfeitando-a de joias da cabeça aos pés”.

Além dos regalos ele prometeu a companheira casamento. Passaram daí por diante a viver sem percalços, felizes, e usufruindo de toda aquela bonanza. Eufrásia vivia um conto de fadas. Tudo parecia ir as mil maravilhas, no entanto, algo continuava brumoso. Como teria conseguido Magdalena tal fortuna?... Um certo dia em conversa reservada com a “noiva” ele resolveu relatar a verdadeira origem daquela riqueza. Na verdade tudo pertencia a um francês ou italiano a quem ele tinha servido de criado durante sua estada no Norte. No caminho de volta para casa ele resolveu assassina-lo para surrupiar seus bens. A notícia pegou Eufrásia de surpresa.

O assassinato de Isabel (Foto: Arquivo do Piquete)

Apesar da chocante revelação o casal continuou a viver tranquilamente. Passado algum tempo, ela confidenciou o segredo para uma amiga de confiança, sua confidente Maria do Bonfim, que morava logo ao lado. Esta, também indiscreta, contou a história a uma terceira pessoa, e a notícia se espalhou. Eufrásia, apaixonada, não tinha noção do tamanho do perigo que estava correndo. Magdalena, era um “lobo em pele de cordeiro”. Ainda sem saber da indiscrição da companheira ele passou a cortejar uma outra vizinha, prometendo-a também matrimônio. Ao descobrir a traição Eufrásia se revoltou, e resolveu romper o compromisso. Além disso, enterrou parte das joias presenteadas por ele. A separação então se deu. Porém, antes de deixar a casa Antônio Magdalena exigiu que as joias lhe fossem devolvidas.

A discussão então se acalorou. Eufrásia negou-se a entrega-las e revelou que tinha contado sobre o assassinato do estrangeiro para a amiga Maria do Bonfim. Magdalena não se conteve. Em estado de fúria, ele partiu para cima da companheira. Sem pensar, lançou mão de um machado e a golpeou violentamente por várias vezes. Um dos golpes acertou-lhe a cabeça, rachando-a instantaneamente. Eufrásia estava morta. Endiabrado, ele partiu imediatamente em busca de Maria do Bonfim, a fim de dá-la o mesmo destino. Não lhe encontrando em casa foi lhe chamar na casa de um vizinho. Sem saber do que se tratava Maria foi ao seu encontro. Da mesma forma, foi atacada e despedaçada a golpes de machado. Os gritos da mulher chamou atenção do filho, um garotinho de 6 anos de idade chamado Sebastião, que foi ao encontro da mãe. Magdalena, ainda cheio de cólera segurou o menino e apontou para os corpos, ameaçando-o que caso ele não desse conta do paradeiro das joias escondidas também seria assassinado.

Felizmente, por obra de milagre o garoto soube dizer o paradeiro das joias. Elas estavam enterradas sob a sombra de um cajueiro no fundo do quintal. O “carrasco”, sem demora cavou e as desenterrou. Ainda repleto de frieza chegou a retirar dois anéis e dar ao menino como “paga” pela informação. Depois de cometer tais barbaridades tentou se livrar dos cadáveres ateando fogo, algo que não conseguiu por interferência de um irmão. Magdalena por incrível que pareça não foi indiciado. Apesar da perícia e dos inquéritos instaurados o processo ficou propositalmente mais de um ano parado. Decorreram-se tempos sem que se falasse na ocorrência. No entanto, um ano depois, o suplente de juiz municipal capitão Francisco de Melo Bastos, assumindo o cargo tratou de examinar onde os autos teriam parado. Descobriu-se que eles foram extraviados.

Jornal A Phalange, 1889 (Foto: Arquivo Danilo Reis)

Um novo inquérito foi aberto para se descobrir quem subtraiu os documentos. Antônio Magdalena, segundo consta, teria conseguido esses documentos a “preço de ouro” na Vila da União. A partir de então não se soube que destino teve o assassino, se foi preso ou continuou livre. O fato é que esse feminicídio foi um dos mais marcantes da história de União. A violência contra as mulheres nesse período não era algo esporádico.  Outro célebre assassínio foi o da tida “santa de União”, Isabel dos Milagres, morta brutalmente a facadas também pelo companheiro em maio de 1932. Assim como o destino de Magdalena, o do algoz da “santa” também se desconhece.

Eufrásia, Maria do Bonfim, e Isabel, se juntam a muitas outras mulheres que lamentavelmente tiveram fins parecidos.                     

*DANILO JOSÉ REIS é historiador e membro do grupo de pesquisa Piquete Explorador do Estanhado. 

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