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Danilo Reis: O chicote, o vazador e as cajás

Danilo Reis: O chicote, o vazador e as cajás

Os casos de abuso e violência contra menores na União oitocentista

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*ESCRITO POR DANILO JOSÉ REIS 

Esta coluna é publicada todas as segundas-feiras

Chicote (Foto: Arquivo / Danilo Reis)

 

O abuso e violência contra menores e adolescentes não é algo incomum na sociedade atual. Eles sempre existiram e infelizmente continuarão acontecendo. Apesar de leis e de mecanismos de proteção a esses indivíduos, ainda é corriqueiro esse tipo de ocorrência. Pois bem. Se hoje isso ainda estampa muitas paginas de manchetes e autos policiais, imagine em tempo remotos onde a vigilância era quase inexistente. Foi assim na União oitocentista... No século XIX alguns casos de abusos e violência com grande repercussão, foram registrados contra crianças unionenses

O primeiro deles ocorreu em 1870. Tratou-se do caso do escravo “Gonçalinho”, menor de 8 anos de idade pertencente à Ricardo José de Lobão, grande latifundiário de União. Ele foi acusado por adversários políticos de ter furado a orelha do menino “sem dó e piedade”, utilizando um “vazador de sapateiro”, tipo de alicate empregada na fabricação de calçados. Segundo a denúncia Gonçalo vivia com as orelhas furadas, fruto das crueldades do patrão. Essa denúncia foi uma das muitas que surgiram na ocasião de maus tratos a escravizados. Os menores estampavam a maioria delas.

Outro caso de grande repercussão envolveu autoridades políticas e religiosas do município. Em 1876 o padre João Manuel de Almendra, ex-auxiliar da paróquia de Nossa Sra. dos Remédios e então pároco da recém-criada Freguesia de Nossa Sra. do Livramento, foi denunciado por alguns conservadores – seus adversários políticos – pelo crime de tortura a seus cativos em União, entre eles dois escravos menores: Libéria e Ângelo. As duas crianças conviveram com o religioso no período em que o mesmo estivera na vila (mais ou menos entre 1862 a 1874), onde eram constantemente amarradas e açoitadas por ele. As agressões, segundo os acusadores, aconteciam diariamente, a qualquer hora do dia ou da noite. As surras eram tão constantes que incomodava bastante os vizinhos. Libéria chegou a ser encontrada no mato despida, amarrada e surrada. As crueldades do padre já eram conhecidas na Vila. Para o escrivão Manuel Felicíssimo ele era o mais “cruel homem da província” mesmo sendo “um ministro de Cristo”. Almendra acabou respondendo pelo crime de maus tratos.

Outro caso emblemático ocorreu alguns anos mais tarde, em 1883, envolvendo uma menor de 6 anos de idade chamada Filomena (livre). No dia 28 de abril a menina foi “violentamente estuprada” por um sujeito de nome Manuel Alexandrino de Sena, quando a mesma se encontrava na mata apanhando cajás. O crime gerou muita revolta e mobilizou muita gente. O ato foi tão violento que a garota teve que ser levada até a delegacia numa para realizar o exame de corpo de delito. O agressor foi encontrado dias depois homiziado na Fazenda Havre (Havre de Graça), pertence as Jacob Almendra, onde trabalhava como feitor um tio seu. Ele foi capturado e preso.

Atos dessa natureza foram corriqueiros nesse período. A violência contra crianças, mulheres e a população mais pobre já ocorriam desde os tempos de povoado. Gonçalo, Ângelo, Libéria e Filomeno são exemplos desse passado nem tanto incomum.

 

*DANILO JOSÉ REIS é historiador e membro do grupo de pesquisa Piquete Explorador do Estanhado. 

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